✨ Entrevista Exclusiva
Saúde Mental

Impacto do uso excessivo de redes sociais na saúde mental

Confira a entrevista com a Psicóloga Letícia Raupp.

LR

Letícia Raupp

Psicóloga

Entrevistado

Psicóloga clínica, formada pela PUCRS. Atualmente, está se especializando em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) pelo Centro Brasileiro de Ciência Comportamental (CECONTE). Atua com as Terapias Comportamentais Contextuais, especialmente com a ACT, oferecendo atendimentos psicológicos online para adultos. Seu trabalho é voltado ao cuidado de pessoas que enfrentam ansiedade e buscam viver com mais equilíbrio, presença e alinhamento com o que realmente importa. Também possui experiência com práticas de mindfulness, que apoiam o processo de autoconhecimento e presença.

🎓 Formada em Psicologia desde janeiro de 2025.
📱 @psi.leraupp
CM

Camilli Munhoz

Estudante de Jornalismo

Entrevistadora

Redatora da MindSaúde: responsável pela matéria “Impacto do uso excessivo das redes sociais na saúde mental.”

📰 Cursando Jornalismo desde 2021.
✍️ 2 artigos
🎤 6 entrevistas
📱 @camillimunhoz

A psicóloga Letícia Raupp aborda os impactos do uso excessivo das redes sociais e explica como a exposição às telas durante a noite pode afetar a qualidade do sono. Durante a entrevista, ela também discute a exposição exagerada dos jovens na internet, seus efeitos na saúde mental e apresenta estratégias para o uso controlado e saudável das redes sociais.

01
CM
Camilli pergunta

Quais são os impactos do uso excessivo das redes sociais na saúde mental?

LR
Letícia responde
O uso adequado de redes sociais pode impactar de maneira benéfica o indivíduo com o acesso à informação e a conexão com comunidades nas redes sociais. Por outro lado, o uso excessivo das redes sociais está associado ao aumento do sofrimento psicológico, da ansiedade e da depressão em diferentes faixas etárias. Além disso, pode prejudicar a memória, a atenção e a capacidade de resolução de problemas. Conferir as redes sociais constantemente pode intensificar a ansiedade e está relacionado a um fenômeno chamado fear of missing out (FOMO), que em português significa “medo de perder algo” ou “de ficar de fora”. Esse medo faz com que o indivíduo cheque o celular repetidas vezes na tentativa de reduzir o nervosismo e a sensação de desconexão social. Entretanto, o uso constante das telas pode justamente impactar negativamente a presença na vida real, aumentando a desconexão no momento presente, e nas relações sociais do indivíduo, tanto no contexto de trabalho quanto em relações familiares ou de amigos. Outro malefício é que, nas redes, as pessoas tendem a se comparar com padrões idealizados e filtrados de vida, o que pode gerar sentimentos de inadequação, baixa autoestima e isolamento social. A constante busca por aprovação e curtidas também reforça um ciclo de dependência emocional, levando o indivíduo a passar mais tempo online, muitas vezes, em detrimento de atividades significativas do dia a dia. Um estudo publicado na revista Cyberpsychology: Journal of Psychosocial Research on Cyberspace (2022) apontou que o uso de sites de redes sociais (SNSs) está correlacionado com maior probabilidade de sofrimento psicológico, incluindo depressão, ideação suicida e transtorno de déficit de atenção. O uso das redes sociais pode ter efeitos diversos sobre a saúde mental, segundo a revisão sistemática e meta-análise de Du, M. et al.., está associado ao adoecimento psicológico, especialmente a sintomas de ansiedade. Por outro lado, de acordo com Seabrook, Kern e Rickard (2016), os impactos sobre depressão e ansiedade dependem de como as redes são utilizadas, podendo tanto oferecer apoio social e oportunidades de conexão quanto contribuir para sintomas ansiosos ou depressivos. Portanto, é importante refletir a função do uso das redes de como e para que são usadas. Uma leitura possível, sob a perspectiva da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), é a de que o uso problemático das redes pode funcionar como uma forma de evitar vivências internas, buscar validação por meio de curtidas ou fugir de desconfortos, em vez de promover uma conexão com valores pessoais significativos. Assim, torna-se recomendável a avaliação e redução consciente do tempo de tela, e se necessário o início da psicoterapia, como meios para desenvolver maior consciência desses processos e ampliar a flexibilidade psicológica. Referência: Du, M., Zhao, C., Hu, H., Ding, N., He, J., Tian, W., Zhao, W., Lin, X., Liu, G., Chen, W., Wang, S., Wang, P., Xu, D., Shen, X., & Zhang, G. (2024). Association between problematic social networking use and anxiety symptoms: a systematic review and meta-analysis. BMC Psychology, 12, 263. https://doi.org/10.1186/s40359-024-01705-w SEABROOK, Elizabeth M.; KERN, Margaret L.; RICKARD, Nikki S. Social Networking Sites, Depression, and Anxiety: A Systematic Review. JMIR Mental Health, v. 3, n. 4, p. e50, 23 nov. 2016. DOI: 10.2196/mental.5842.
02
CM
Camilli pergunta

Como o uso noturno das redes sociais afeta o sono e o bem‑estar?

LR
Letícia responde
A exposição às telas à noite afeta diretamente o ciclo circadiano, o relógio biológico que regula o sono e a vigília. Para exemplificar, a luz azul emitida pelos dispositivos inibe a liberação de melatonina, hormônio responsável por induzir o sono, impactando diretamente na qualidade e profundidade do sono. Além disso, o conteúdo consumido nas redes sociais costuma ser estimulante. Comentários, notificações e vídeos curtos mantêm o cérebro em estado de alerta, dificultando o relaxamento necessário para adormecer. A higiene do sono, que envolve práticas como relaxar antes de deitar, tomar um banho morno ou evitar o uso de telas, contribui para um sono mais reparador e profundo. Um estudo sistemático com meta‑análise envolvendo mais de 1.100.000 participantes demonstrou associações entre uso de redes sociais e sintomas de depressão, ansiedade e problemas de sono, além de negativamente relacionada ao bem-estar. Portanto, mais evidências de que o uso excessivo afeta o sono e o bem-estar.
03
CM
Camilli pergunta

Qual é o público mais afetado pelo uso excessivo das redes sociais?

LR
Letícia responde
Cada indivíduo pode ser impactado de forma singular pelo uso excessivo das redes sociais, e todo sofrimento é válido. No entanto, crianças e adolescentes apresentam vulnerabilidades específicas, pois estão expostos a conteúdos inadequados para sua faixa etária, como cenas de violência física, sexual ou psicológica. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é claro ao criminalizar a exposição sexual de menores. Nessa fase, o córtex pré‑frontal (região do cérebro relacionada ao raciocínio, controle de impulsos e resolução de problemas) ainda está em desenvolvimento. Além disso, é uma fase em que a criança e o adolescente ainda estão formando quem são e como veem o mundo. Quando expostos a conteúdos inadequados, podem vivenciar processos de adultização e erotização precoce, o que interfere diretamente em seu desenvolvimento emocional e na forma como se relacionam com os outros. Segundo a pesquisa TIC Kids Online Brasil 2025, 20% das crianças e adolescentes de 11 a 17 anos afirmaram já ter recebido mensagens ou solicitações com conteúdo sexual na internet; 11% relataram ter visto mensagens desse tipo destinadas a outras pessoas; e 4% receberam pedidos de fotos ou vídeos sem roupa. O uso sem supervisão de cuidadores é, portanto, um tema crucial a ser debatido. Cabe aos responsáveis orientar, estabelecer limites e garantir um ambiente digital seguro e saudável para crianças e adolescentes. Caso os adultos encontrem dificuldade nesse processo, uma alternativa é buscar orientação parental com psicólogos capacitados.
04
CM
Camilli pergunta

Como a exposição exagerada nas redes sociais impacta a autoestima dos jovens?

LR
Letícia responde
Um dos malefícios com certeza é a comparação e o impacto na autoimagem e autoestima do indivíduo. Com a utilização de filtros e photoshop, muitas imagens não são verossímeis, contudo, a dificuldade para distinguir da realidade é comum. A Academia Americana de Pediatria e a OMS (Organização Mundial da Saúde) informam que a exposição a telas e redes sociais pode ampliar quadros de ansiedade, depressão e distúrbios de sono, além de dificuldades de concentração. O impacto do uso excessivo das redes causa o adoecimento psicológico, portanto, é recomendada a redução do uso de telas e psicoterapia. O uso excessivo pode impactar os jovens de diversas maneiras: alteração do sono, comparação com padrões inalcançáveis (a partir de fotos editadas e postadas como reais), baixa autoestima e aumento da ansiedade. A comparação constante com padrões idealizados, a busca por validação e a exposição a conteúdos irreais impactam diretamente o bem-estar dos jovens. Alguns sinais podem indicar que o uso das redes sociais deixou de ser saudável. Entre eles estão: dificuldade em controlar o tempo online, mesmo com prejuízos pessoais ou profissionais, comparações constantes com os outros, irritabilidade ou ansiedade quando está desconectado, sono irregular e redução de atividades prazerosas fora do ambiente digital Também é importante observar sentimentos de inadequação, solidão e perda de interesse em interações presenciais. Esses indicadores podem sugerir uma relação disfuncional com o ambiente virtual e merecem atenção profissional. Para embasar: uma revisão sistemática examinou 70 estudos e concluiu que o uso de sites de redes sociais está associado a níveis mais altos de depressão e ansiedade, especialmente quando o uso é passivo ou problemático. Os autores afirmam que a maioria dos estudos examinou jovens adultos (final da adolescência ou início dos 20 anos). Referência: NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. OMS divulga recomendações sobre uso de aparelhos eletrônicos por crianças de até 5 anos. Brasília, DF: Nações Unidas, 26 abr. 2019. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/82988-oms-divulga-recomenda%C3%A7%C3%B5es-sobre-uso-de-aparelhos-eletr%C3%B4nicos-por-crian%C3%A7as-de-at%C3%A9-5-anos. Acesso em: 27 out. 2025.
05
CM
Camilli pergunta

Quais são as estratégias para controlar o uso das redes sociais?

LR
Letícia responde
Para menores de idade, é importante estabelecer limites e horários de uso que se encaixem na rotina, com supervisão de responsáveis e cuidadores. A partir disso, recomendo a leitura das recomendações do uso de telas guiadas pela OMS citadas na referência. Ao criar redes sociais, deixar explícita a idade também contribui para que mediadores das plataformas filtrem conteúdos inapropriados para menores. Além disso, poder entreter a criança com outras atividades como leitura ou jogos. Entre adultos, o uso de ferramentas como o “limite de tempo de uso” em cada aplicativo pode auxiliar a desenvolver consciência sobre o próprio comportamento. Quando desejamos diminuir ou aumentar um comportamento, é útil observar os contextos que o mantêm: Como você se sente ao usar as redes sociais a curto e longo prazo? Você tem evitado sentir alguma emoção ou pensamento desconfortável? O uso que você faz das redes tem te aproximado ou te afastado de uma vida com sentido e alinhada aos seus valores? Essas perguntas ajudam a compreender as funções do comportamento, não apenas sua frequência ou consequências. Ademais, perceber o que está em jogo (por exemplo, receber curtidas, evitar o tédio ou a solidão) pode impactar na diminuição da tristeza, ansiedade ou raiva, mas te aproxima de quem você gostaria de ser? Outro caminho possível é logo depois de parar de utilizar as redes, buscar por pequenas recompensas, como fazer algo satisfatório como ouvir uma música que você gosta muito. Esses “prêmios” após o comportamento desejado (no caso, reduzir o uso de telas) aumenta a probabilidade de mantê-lo a longo prazo e pode reduzir o uso das redes sociais.