O brilho que contamina:

Microplásticos do glitter "alimentício" e os riscos invisíveis à saúde

10 minutos

Pesquisas brasileiras e internacionais alertam para os impactos ambientais e possíveis riscos à saúde humana do glitter usado em confeitaria e decoração de alimentos.

Um brilho em tudo… até no prato!

O chamado “glitter alimentício”, o pó cintilante usado para decorar bolos, doces e bebidas é vendido como inofensivo, entretanto, parte dos produtos disponíveis no mercado brasileiro não é realmente comestível. Muitos são feitos de plástico e alumínio, e acabam sendo ingeridos ou descartados de forma inadequada, transformando-se em microplásticos que contaminam o meio ambiente e, potencialmente, o corpo humano. Estudos realizados pelo grupo mostraram que o glitter é capaz de se fragmentar em partículas ainda menores, os chamados nanoplásticos, que podem ser absorvidas por organismos aquáticos e incorporados à cadeia alimentar.

A confusão começa na prateleira. No Brasil, há produtos vendidos como “glitter alimentício” e outros como “glitter decorativo”. Nesta última semana de Outubro, o criador de conteúdo digital Dario Centurione, dono do perfil “Almanaque S.O.S”, postou uma série de vídeos de reportagem a respeito dos glitters utilizados em alimentos, onde comprou produtos ditos como “comestíveis” que eram, por fim, puro plástico. Após bombar nas redes sociais e pegar muitos consumidores e confeiteiros, de surpresa, o assunto ganhou força através de um movimento on-line.

Outra criadora de conteúdo, Ana Duarte, chegou a comprar duas marcas de glitter, uma vendida no setor comestível e outra no setor de decoração para comparação de ambas na lente do microscópio. A surpresa? Ambas eram iguais em cor e composição.

A rotulagem, no entanto, nem sempre é clara, e muitos consumidores acabam utilizando o produto de forma indevida em alimentos. É importante ressaltar que produtos contendo PET ou PP micronizado não devem ser consumidos, ainda que estejam dispostos para venda no setor de alimentos. Além disso, observa-se que algumas marcas de glitter comercializadas em setores alimentícios divulgam, em suas próprias redes sociais, a aplicação do produto em comidas, como bolos, cupcakes e donuts, o que pode induzir o consumidor a erro.

Brilhos coloridos, bolos cintilantes e sobremesas reluzentes viraram tendência nas confeitarias e redes sociais. Nessa semana, a “trend” veio por um motivo peculiar… os microplásticos.

Nem todo glitter é comestível!

O glitter é um símbolo pequeno de um problema muito maior: a crise global dos microplásticos. Segundo relatório do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), mais de 11 milhões de toneladas de plásticos entram nos oceanos, anualmente, e parte significativa vem de produtos de uso cotidiano como cosméticos, roupas e artigos decorativos.

No Brasil, os microplásticos já foram encontrados em amostras de água potável, sal marinho, peixes e até no ar urbano de grandes cidades, como São Paulo e Rio de Janeiro. Pesquisadores alertam que o acúmulo dessas partículas pode afetar o funcionamento hormonal, provocar inflamações e interferir no metabolismo humano, embora os efeitos diretos ainda estejam em estudo.

Além do risco ambiental, há também um impacto econômico. Muitas docerias e confeiteiros que usam glitter decorativo desconhecem a origem do produto. Além disso, não têm acesso a versões biodegradáveis, que são mais caras e escassas no mercado brasileiro. A falta de regulamentação desses alimentos e os rótulos enganosos incentivam a compra de forma irresponsável.

A Anvisa, em nota técnica publicada em 2024, reforçou que o uso de glitters não comestíveis em alimentos é proibido, mesmo em pequenas quantidades. A ingestão de partículas plásticas pode causar irritação gastrointestinal e acúmulo de substâncias tóxicas e metais pesados. Além disso, o glitter pode atuar como vetor de micro-organismos e poluentes, já que sua superfície tende a absorver compostos químicos presentes no ar ou na água.

Caminhos Sustentáveis

A conscientização dos consumidores também é essencial. Docerias e confeiteiros podem verificar se o produto é certificado como comestível e evitar o uso de itens com polietileno ou alumínio. Pequenas mudanças como priorizar cores naturais e decorações à base de açúcar ajudam a reduzir a poluição invisível.

Em resposta à preocupação crescente, empresas e universidades vêm desenvolvendo glitters ecológicos, feitos de celulose vegetal e pigmentos naturais que se degradam sem liberar plástico. Na Europa, algumas marcas já são certificadas como biodegradáveis e, no Brasil, a UFF e a USP conduzem pesquisas para adaptar o produto à indústria nacional.

Estamos seguros para brilhar?

O glitter pode ser sinônimo de festa, mas seu impacto vai muito além do brilho passageiro. As pesquisas brasileiras mostram que partículas minúsculas podem ter consequências duradouras para a natureza e, possivelmente, para a saúde humana. A solução passa por educação, regulação e inovação sustentável. Brilhar? Sempre! Mas com responsabilidade.
DS

Daniela Stier

Redatora | Colunista MindSaúde

Daniela Stier é Redatora e Colunista da equipe MindSaúde, atua também com revisão, leitura crítica e escrita criativa.